Dia após dia escutamos notícias, provenientes das mais diversas fontes, de mortes oriundas de balas perdidas. É algo que já ouvimos com uma constância tão elevada que tendemos a naturalizar. Já não nos escandalizamos ou horrorizamos frente à barbárie que é a perda da existência diante de um fim tão cruel. E o que mais chama atenção, de forma alarmante, é que esses tiros parecem ser guiados sempre para os mesmos corpos – pretos e pobres.
A inequidade no Brasil não parece espantar, mas a forma como diferentes grupos são tratados historicamente se torna cada vez mais difícil de entender. Em meio às mais inescrupulosas desculpas – de diminuição da criminalidade, da busca pelo bem comum, da eliminação de todo o mal – justifica-se a selvageria sem medidas. Autoriza-se o extermínio de pessoas já tão marginalizadas e segregadas do convívio social.
É autorizado veladamente que essa minoria seja abafada em detrimento de algo maior – como se houvesse, de fato, algo mais grandioso do que as próprias vidas que estão em questão. Sucessivamente nos deparamos com o aumento grotesco de homicídios, que apesar de serem chamados de fatalidades em geral, têm notadamente sua prevalência nas mesmas classes menos favorecidas.
A hierarquização da existência é extremamente desumana e impõe um fim trágico e precoce a histórias lindas e potentes. Ignorar a diferença de tratamento destinada aos que vivem em comunidades é mantê-los realmente na periferia da sociedade. É sentencia-los ainda mais. Já não há mais a possibilidade de fechar os olhos para a forma inescrupulosamente desigual com que esses sujeitos são tratados.
É preciso não se conformar. Buscar ativamente, na prática cotidiana, formas de retratação com aqueles que já são tão privados do que há de mais básico. Respeitar direitos primários na tentativa de minimizar o pavor e a angústia que enovela quem vive essa realidade. Não se acovardar diante do que parece imposto e levantar a voz, fazendo ecoar a noção da necessidade de valorização da vida, nas suas mais diversas formas.